Fusão do Grupo Soma com a Arezzo&Co dá origem à maior empresa do setor na América Latina, com 34 marcas e faturamento de R$ 12 bilhões
As notícias começaram a circular na semana anterior, em sites que cobrem negócios e empresas. Mas o anúncio oficial foi na manhã da segunda-feira (5), no auditório do edifício onde fica a sede da XP Inc., em São Paulo. O lugar ficou pequeno para tantos convidados, a maior parte do mercado financeiro. Investidores, analistas, assessores e, claro, todos os envolvidos na operação que resultou na maior empresa do setor de vestuário da America Latina — ainda sem nome ou marca corporativa. Passava um pouco das 11h quando o presidente do conselho da XP, Guilherme Benchimol, subiu ao palco para falar da maior fusão de empresas ocorrida nos últimos anos no Brasil (desde a união de Droga Raia e Drogasil, em agosto de 2011). Segundo o fundador do banco que costurou o negócio, ele traz “vantagens absurdas não só do ponto de vista de sinergias como da cultura”.
Para Benchimol, a criação de uma holding responsável por integrar todas as operações do Grupo Soma (controlador de marcas como Hering, Farm e Animale, entre outras) e da Arezzo&Co coloca no mesmo negócio visões complementares. “São pessoas apaixonadas pelo que fazem. Vão construir algo de longo prazo, duradouro e acima de tudo, com muito respeito”.
Para surpresa da plateia, ele encerrou sua breve fala afirmando que fará parte do Conselho de Administração da nova gigante brasileira da moda. “Aceitei o convite porque que quero que essa empresa faça ainda mais história”, afirmou.
“Momento histórico” foi justamente o termo escolhido pelo CEO da Arezzo&Co, Alexandre Birman, para definir a fusão da empresa que comanda com o Grupo Soma. “Tecnicamente é uma associação, mas o que sentimos é uma criação, pois estamos criando algo inédito”, disse, antes de explicar a estrutura organizacional resultante da fusão.
Birman será o CEO da nova empresa, na qual a Arezzo&Co terá uma participação acionária ligeiramente maior.
Atual CEO do Grupo Soma, Roberto Jatahay será responsável por uma das quatro unidades de negócio, batizada Vestuário Feminino/Lifestyle, com 11 das marcas que farão parte da nova companhia.
As outras verticais serão Calçados e Acessórios (confiada a Luciana Wodzik, do time da Arezzo), Vestuário Democrático (Thiago Hering) e Vestuário Masculino/Lifestyle (Rony Meisler, fundador da Reserva e CEO da AR&Co).
“Será a maior multinacional do varejo de moda d Brasil, com diversas possibilidades de sinergia, como a expansão da Farm Global e da categoria de sapatos femininos em nossas marcas. São muitas as oportunidades de negócios e de crescimento win-win”, afirmou Jatahy.
Para Birman, uma vantagem da fusão será a complementaridade de portfólios. “Através do lançamento de calçados e bolsas das marcas do Grupo Soma, troca de melhores práticas na gestão de canais, principalmente em franquias, otimização do parque industrial da Hering bem como a nossa capacidade de negociações com fornecedores estratégicos”, disse o CEO da nova companhia.
Ela nasce com faturamento de R$ 12 bilhões, 22 mil colaboradores e 11 milhões de clientes ativos (sem considerar eventuais sobreposições de carteira). E como ocorre em outras fusões, dois mais dois não são quatro. “Unificar a gestão dos nossos negócios internacionais dará muita força para as marcas”, disse Birman. Segundo ele, a nova companhia está se preparando para plugar outras verticais de negócio, além das quatro que farão parte da estrutura de largada.
A costura do negócio começou há cerca de seis meses. Além da XP e de outros bancos convidados a participar do processo, a modelagem envolveu a consultoria internacional Bain & Company, que realizou um amplo estudo sobre o posicionamento das marcas e das possíveis sinergias advindas da fusão. Mas o namoro teve início bem antes, em abril de 2021.
Foi quando o Grupo Soma adquiriu a mais tradicional empresa de vestuário do Brasil, a Cia. Hering, hoje com 140 anos. A malharia fundada em Blumenau por um imigrante alemão estava também nos planos da Arezzo, à época com faturamento anual na casa de R$ 1,6 bilhão.
Juntas, Hering e Soma passariam a faturar acima de R$ 2,4 bilhões, resultando na quarta maior empresa do setor no País.
A primeira decisão de Birman foi se aproximar do concorrente. Segundo Jatahy, os dois marcaram um almoço no Copacabana Palace. “Tivemos vários encontros desde então e começamos a construir um sonho juntos, buscando a melhor governança e segurança para o patrimônio das duas partes”, disse Birman.
CAPITAL ABERTO
Quando os dois almoçaram juntos pela primeira vez, há quase três anos, as duas empresas já haviam sido listadas na B3.
A Arezzo, fundada em 1972 pelo mineiro Anderson Birman, fizera seu IPO em fevereiro de 2011, quando já era líder no setor de calçados femininos com as marcas Schutz, Anacapri e Alexandre Birman, além da própria Arezzo.
O Grupo Soma chegou à Bolsa em julho de 2020, dez anos depois de ter sido formado a partir da junção de duas grifes de moda feminina: a Animale (criada pelos irmãos Roberto e Claudia Jatahy em 1991) e Farm (fundada pelos sócios Kátia Barros e Marcello Bastos em 1997). Desde o IPO, o grupo incorporou outras empresas, caso de Maria Filó, Cris Barros, NV, Fábula e Foxton, além de lançar a Farm Global e de adquirir a Cia. Hering.
A Arezzo&Co, por sua vez, investiu em aquisições mais diversificadas, tornando-se a maior house of brands do Brasil, com todas as unidades que integram o portfólio da Reserva (hoje AR&Co), Alme, Carol Bassi, Vans, Simples, BAW Clothing, TROC, Vicenza e a italiana Paris Texas.
“Nosso objetivo é gerar valor de longo prazo”, afirmou Birman. “Vamos ouvir consultorias estratégicas e integrar nossas plataformas no que tange a troca de melhores práticas para ter um território muito bem plantado para 2025.” Segundo ele, aí sim as receitas adicionais e a otimização de sistemas, processos e logística entrarão na conta.
Para Fernando Canutto, sócio do Godke Advogados e especialista em direito societário, a união dos dois grupos fortalece a participação de ambos no mercado. “Fusões nesse contexto podem buscar sinergias operacionais, diversificação de portfólio e ampliação de mercado para garantir uma posição mais robusta no setor varejista, que é altamente competitivo e suscetível a flutuações econômicas”, afirmou.
Apesar das vantagens evidentes, há um desafio: criar uma marca corporativa com um novo nome e uma identidade visual que reflita o tamanho da empresa e sua participação no setor.
No anúncio da fusão, a nova companhia foi apresentada como uma “powerhouse of brands”, uma usina de marcas.
Sócio-fundador da TM20 Branding, Eduardo Tomiya entende que a nova marca corporativa terá de alcançar os públicos estratégicos, dentro e fora do Brasil, já que acelerar a expansão internacional é uma das metas da fusão. “Nasce uma versão nacional da LVMH, com um poder muito grande não só junto ao consumidor como a públicos estratégicos, como o mercado de capitais”, disse Tomiya, citando o conglomerado de luxo francês controlado pelo bilionário Bernard Arnault e que reúne 75 empresas, das grifes de moda Louis Vuitton, Dior e Fendi às marcas de bebidas Möet & Chandon, Henessy e Veuve Clicquot.
É claro que a comparação exige que sejam guardadas as devidas proporções. O grupo LVMH reportou receita de 86,2 bilhões de euros em 2023, quase R$ 460 bilhões pelo câmbio oficial da quarta-feira (7), e emprega mais de 213 mil pessoas no mundo.
Mas há um aspecto simbólico nessa nova gigante brasileira, cuja criação é considerada pelos sócios um “bigbang” da moda: não há nada no mercado que reúna marcas com tanto
potencial de crescimento. “O grande problema de uma fusão gigantesca como essa é perder atributos de imagem, mas entendo que eles estão tratando isso de maneira muito séria”, afirmou Tomiya.
CADE
Como ocorre em qualquer negócio desse porte, a fusão depende do aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia que julga casos de concorrência econômica e antitruste.
Antes de anunciar o acordo, as duas empresas consultaram assessores jurídicos para entender se haveria algum risco. No entendimento dos sócios, a metodologia que o Cade usa é olhar para o mercado de moda como um todo, que no Brasil chega a quase R$ 200 bilhões. “A opinião dos nossos assessores é de que não vai ser um uma questão complexa”, disse Birman.
A fusão, na teoria, tende a proporcionar ganhos também para o consumidor final, uma vez que o aumento da eficiência operacional pode permitir a redução de preços nos produtos. Esse foi um ponto destacado por Birman ao citar a vantagem de ter à disposição um parque fabril completo como o da Hering.
Os ganhos de escala também serão significativos. Com 34 marcas, a nova companhia terá muito mais área em shopping centers que a ocupada pelas lojas hoje consideradas âncoras.
Estudos realizados pelos RHs das duas companhias revelaram que em alguns shoppings serão mais de 200 funcionários do grupo.
Outra vantagem, que poderá reduzir as despesas após a integração, será a maior eficiência no back office, com C-levels apoiando a operação de cada unidade de negócio. Isso pode se refletir em maior agilidade na otimização do capital financeiro e humano.
Criada em 1972, a Arezzo se tornou líder em calçados femininos com as marcas Shutz, Anacapri e Alexandre Birman. A Animale, de Roberto Jatahy, deu origem ao Grupo Soma após se unir à Farm. Depois veio a Hering.
DA CABEÇA AOS PÉS
Para Jatahy, a operação combinada pode também resolver problemas de criação e execução de novas coleções, especialmente quando a expertise está do outro lado. Exemplo disso ocorreu quando um revendedor da Farm Global nos Estados Unidos pediu que a marca produzisse também calçados. “A parte da criação deu certo, mas a execução ficou aquém do esperado”, afirmou.
A partir de gora, situações assim tendem a não se repetir. E a nova empresa poderá vestir mulheres, homens e crianças, da cabeça aos pés, com estilo e qualidade.
“Juntos, vamos incentivar a moda brasileira, compartilhando aprendizado de culturas e respeito aos diretores criativos que são os grandes artistas e os protagonistas efetivamente da nossa indústria”, afirmou Birman. Tudo ajustado, só falta criar uma etiqueta para a nova gigante da moda brasileira.
A força das mulheres que empreendem com estilo
Kátia Barros
Fundadora da Farm com o sócio Marcello Bastos, em 1997, ela ajudou a definir um padrão de moda brasileira que levou o Grupo Soma para o mercado internacional
Cris Barros
Criadora da grife que leva seu nome, a estilista se especializou no segmento de luxo. Assim como a Animale, NV, Maria Filó, a marca ficará na unidade comandada por Jatahy
Carol Bassi
Fundada em 2014 pela influenciadora, a marca foi adquirida pela Arezzo&Co em uma transação estimada em R$ 180 milhões para compor a oferta de peças femininas da empresa de Birman
Fonte: EDITORA3
Comments